terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

De Berlim a Hamburgo: o lado mais irreverente da Alemanha

Somente 90 minutos a bordo de um trem rápido separam as duas maiores capitais do país, que disputam o título de cidade mais “cool” em território germânico. E é bom avisar de antemão. Mesmo ao final desse gigante post, será difícil tomar algum partido. Berlim ainda carrega o peso histórico da divisão da Alemanha, acompanhada do título “pobre, mas eternamente sexy”. Já Hamburgo figura entre as mais ricas da nação, dona de um dos portos comerciais mais importantes da Europa e um coloridíssimo red light district. O que ambas têm em comum, cada uma do seu jeito, é o dinamismo e a criatividade cosmopolita. Nos arredores desses dois centros multiculturais, municípios menores oferecem escapadelas com uma faceta mais idílica e tradicional. Potsdam com seu patrimônio prussiano e as cidades da liga hanseática ao norte, a exemplo de Lübeck,  completam o roteiro.

Berlim – experiente e imprevisível 

Todo mundo tem um passado, mas o de Berlim a torna única. Cenário principal dos conflitos da guerra fria e da divisão do planeta, o clima político trepidou por aqui durante 28 anos. Mas o que tinha o intuito de reprimir, só fez borbulhar a criatividade de seus moradores. A inesperada e histórica queda do muro trouxe à tona uma explosão das mais diversas manifestações culturais. Do ícone da repressão à sede da nova ordem mundial, Berlim tem essa aura própria e inconfundível. Não é à toa que a moça seduziu de Marlene Dietrich a Iggy Pop, passando por U2 e David Bowie, entre tantos outros artistas que aqui buscaram inspiração. Do Checkpoint Charlie ao memorial do Muro na Bernauer Sraße, as atrações que remetem a esse período são diversas. O mais emblemático deles, porém, é o próprio Portão de Brandemburgo, o centro pulsante do turismo local, outrora ensanduichado pela cortina  de ferro.  Outro ponto simbólico é a East Side Gallery, com 1.3 km do muro grafitados por 118 artistas de 21 países. 
Anos de separação entre as duas cidades resultaram em alguns excessos. Por exemplo, Berlim abriga dois zoológicos e três casas de opera. A coleção de arte berlinense também foi reorganizada e reagrupada freneticamente. A fusão mais exuberante foi a união do acervo de pinturas de Dahlem com a do Bodem Museum, formando a Gemäldegalerie (Galeria de Pinturas) no bairro do Tiergarten. Outro estrondo é a Ilha dos Museus que reúne cinco estabelecimentos gigantescos. 
O mais famoso é o Pergamon, que abriga o altar de Pérgamo, descoberto por arqueólogos em 1864. Já a mais bela moradora da capital – o busto da rainha egípcia Nefertiti – está no Neues Museum, reaberto em 2009 com um projeto do badalado arquiteto Norman Foster. Aliás, o mesmo que assina a elegante e inovadora cúpula de vidro do Reichstag, de onde visitantes observam a silhueta da cidade e o trabalho dos políticos na parte interior do parlamento alemão. 
Brinca-se que por essas bandas, ninguém está desempregado. Afinal, todos trabalham em algum projeto! Ou que é impossível saber se seu visual está totalmente in ou out tamanha a variedade de nichos e tribos. É fácil perceber esse clima em uma tarde no misto de café, bar  e, vá lá, escritório St. Oberholz, na Rosenthaler Platz. Aqui, uma quantidade enorme de presumíveis freelancers lotam as mesas de madeira, bebericam por longas horas e...trabalham. A experiência berlinense também não estará completa sem abocanhar um Döner Kebab. São mais de 1600 quiosques pela cidade – mais até que em Istambul – grelhando seu espetão de cordeiro. Uma boa ideia é degustar o sanduba nas proximidades da Kottbusser Tor, região de migração turca, entre os badalados bairros de Friedrichshain e Kreuzberg.  
Outro highlight com a cara do dinamismo berlinense é o bairro de Prenzlauer Berg. A antiga área residencial operária na região oriental já abrigou artistas (com seus projetos) e passou, nos últimos anos, por uma extrema gentrificação. Por lá, há trechos cinzentos do muro na Bernauer Straße, assim como o famoso Parque do Muro (Mauerpark). 

Aos domingos, mercados de pulgas incríveis, barraquinhas de comidas de todo o mundo e performances de todos os tipos. Se o tempo ajudar, o Biergarten  do histórico Prater é indispensável. Ao lado do teatro homônimo, a casa era ponto de encontro do movimento operário e vivenciou calorosa discussões políticas com Rosa Luxemburgo no entre guerras. Para a experiência ser ainda mais local, nada como encarar a salsicha berlinense cortadinha com curry e ketchup – a tradicional Currywurst. Pra acompanhar, uma Berliner Weiße, a cerveja de trigo berlinense. 
Outro modo de curtir o fim de tarde durante o verão é a Arena Badschiff.  Imagine o que é nadar em um piscina encaixada dentro do rio Spree, com vista para a emblemática Oberbaumbrücke, aquela eternizada pelo filme Corra Lola, Corra. Quem curte, pode seguir madrugada adentro embalado por ritmos eletrônicos na Bergheim ou na Watergate ou em baladas – digamos assim mais liberais – como o Insomnia ou o KitKatClub. 
Por essas bandas berlinenses, tudo é possível – moradores nus fazendo yoga no parque Tiergarten, móveis sendo transportados dentro de transportes públicos, manifestações em prol das mais diversas causas, orquestras experimental com instrumentos de legumes, hamburguerias abrigadas em antigos banheiros públicos, uma cena eletrônica entre as mais famosas da Europa, contrastando com o suprassumo da música clássica e aquela sensação constante de que você está na maior assembleia de hipster do planeta. É só achar seu quadrado. 

Potsdam – antiga sede da família real prussiana 

Se a noite em Berlim foi muito intensa e a ressaca pesada, uma boa opção é escapar para os idílicos parques e jardins da capital do Estado de Brandemburgo. A cidade encontra-se na área C da linha de transporte berlinense e em 30 minutos desembarca-se no que outrora fora o refúgio do rei Frederico, o Grande. Com ares elegante e histórico à beira do rio Havel, Potsdam foi tombada pela Unesco em 1990. Além das famílias com crianças que se mudam para essas bandas, fugindo do agito berlinense, a urbe é marcada pela horda de turistas ávidos para desfrutar o Parque Sanssouci. O castelo homônimo de tons amarelados em estilo rococó, de 1747, é o cartão postal do município. Uma belíssima fonte e diversas escadarias repletas de plantas raras e exóticas se espalham nos degraus até a entrada principal. 
Por meio de um tour, é possível visitar doze cômodos internos dessa belezura prussiana. Ao longo do bosque, bancos de madeira são espalhados embaixo de arcos enfeitados com folhagens, o que confere um tom campestre e tranquilo na caminhada entre uma atração e outra, como o castelo Neues Palais ou a antiga estufa Orangerieschloss. 
Já no centro de Potsdam, vale conferir o Holländisches Viertel, um quarteirão com 134 casinhas de tijolinhos vermelhos, estabelecido em 1739 para abrigar trabalhadores holandeses na região. Hoje, o espaço é super valorizado e abriga lojas, restaurantes, galerias e cafés bacaninhas. Em Babelsberg, um bairro ligeiramente mais afastado, há mais um parque e um castelo neogótico com o mesmo nome. No outono, com árvores multicoloridas em tons de amarelo, verde e vermelho, a jornada fica ainda mais agradável.

Ahoi, Hamburgo!


Depois de recuperar o fôlego na pacata Potsdam, é hora de voltar ao agito em Hamburgo. Sexy como Berlin, mas nada pobre, Hamburgo tem mais de 6 mil empresas na área de publicidade, propaganda, filme, rádio, TV e música. Aliado a isso, encontra-se por aqui o maior porto da Alemanha, o que confere a Hamburgo todo seu passado histórico e marítimo. Desde a idade média, ao se unir a Liga Hanseática, a cidade tem feito comércio com o mundo inteiro. 
Isso explica os ares cosmopolita e tolerante, com uma grande comunidade portuguesa, turca e asiática no comando de excelentes restaurantes. A personalidade adquirida por esse background histórico-cultural se soma à beleza da metrópole. Banhada pelas águas do rio Elba e do lago Alster, diversos canais recortam suas ruas centrais. 
Uma caminhada entre a famosa prefeitura neorrenascentista e a região da “Jungfernstieg” confirma essa observação. E para começar o processo de assimilação com os locais, esqueça a tradicional saudação Guten Tag. Vá mesmo de Móin, Moin como os nortenhos preferem.
A região do porto de Hamburgo, conhecida como Hafencity, é uma das principais atrações. Mas a visita costuma se estender por todo o distrito das docas, conhecido como Speicherstadt. Esse trajeto garante um longo bate-pernas por entre os canais estreitos banhados pelo Elba, margeados por casinhas góticas de tijolos vermelhos que servem de depósitos para iguarias recém chegadas dos cargueiros. Tudo aliado a uma imensidão de lojas e restaurantes ambientados em um cenário de arquitetura moderna, repleto de prédios envidraçados e áreas arborizadas. Por aqui está também a famosa filarmônica de Hamburgo (Elbphilarmonie) – um projeto polêmico e megalomaníaco, inaugurado em Janeiro de 2017 após 10 anos (e algumas centenas de milhões de euros) de atraso. 
Passeios turísticos de barco pelo rio Elba partem da ponte Landungsbrücke. Mas faça como os locais. Basta comprar um tíquete diário de transporte normal e embarcar no ferry 62. Aí, é só admirar as margens recheadas de prédios de arquitetura arrojada, casas de espetáculo com famosos musicais e as “praias” do rio. De noite, com o acender das 800 luzinhas, que brilham sobre os canais, o visual fica ainda mais bonito. 
Outra atração imbatível nessa região é a colossal exposição de miniaturas (Miniaturwunderland). Imaginem os alpes suíços, Roma e até mesmo todo um aeroporto internacional reproduzidos em maquetes perfeitíssimas. Nesse mundo das maravilhas, aviões levantam voos e trens percorrem longos trajetos, permeados por atrações turísticas mundialmente famosas. Nos sentimos, de fato, numa volta ao mundo. 
Mas o que causa espanto é a logística. São no total 930 trenzinhos, 1.270 faróis de trânsito, 335 mil luzinhas, 3.660 casas e pontes e 8.850 carrinhos. E o que parece ser somente brincadeira, é levado muito a sério pelos funcionários com ares geek. Atrás de um complexo painel de controle, eles monitoram todos os acontecimentos do mundo encolhido. Então, não se preocupe. Se por uma falha no sistema (ou será que não?), carrinhos se chocarem, logo logo pequeninos bombeiros e policiais chegarão para socorrer o trânsito. Há também quem procure nas detalhadas maquetes, miniaturas de casais na pegação. Sério, existe mesmo várias cenas.   
E já que o papo ficou de gente grande, para conhecer uma das marcas mais registradas de Hamburgo, é preciso deixar as crianças em casa e trocar as miniaturas por um programa mais adulto. Erotismo, burlesco, strip-tease, comediantes e travestis dão cor ao distrito “red light” de Hamburgo, uma região no badalado bairro de St.Pauli, nos arredores da rua Reeperbahn. 
Um dos clássicos é o bar “Zur Ritze”. Trata-se de um dos estabelecimentos mais antigos e consagrados da região, com a porta de entrada bem no meio de um peculiar grafite de pernas femininas. Conhecido por atrair boxeadores renomados, pode-se visitar um ringue no porão do boteco. Dali, o esquema é seguir para a Praça dos Beatles. Foi no “Kiez” que o grupo deu as primeiras palinhas antes da fama e iniciou sua carreira musical. E é nesse ponto que começa, de fato, a esbórnia, na rua “Große Freiheit”, literalmente da grande liberdade. 
A travessa é abarrotada de gente: homens, mulheres e, claro, policiais controlando excessos e abusos. Casas de show erótico é o que não faltam como a “Dollhouse” e a “Susi’s Show”. É bem possível que você também aviste saçaricando pela rua dois travestis ultra simpáticos e sorridentes. Conhecidos como Barbie Stupid e Lee Jackson, ele provavelmente estarão na pausa dos shows de cabaré que fazem na casa Olivia-Jones. No palco, durante as apresentações, estrelas do burlesco também dão o ar da graça enquanto DJs animam a plateia na pista de dança. 
Para quem ainda não estiver cambaleando, a boa é seguir para tomar café da manhã no Fischmarkt (Mercado de Peixes), sempre aos domingos a partir das 5h. A decisão é bem pessoal. Acordar ultra cedo no domingão ou permanecer a madrugada de sábado de olhos abertos e seguir direto para lá. Outro bairro bem badalado para mantê-lo acordado é o Sternschanze. 
Mas seja qual for a opção, o importante é ir. Uma tradição em Hamburgo desde 1703, que atrai 70 mil pessoas todas as manhãs dominicais e inclui não só o mercadão, mas também barracas e restaurantes para um completo desejejum e até mesmo shows de rock regados a cerveja.

Lübeck: literatura e marzipã 

Uma viagem pelo Norte do país não estaria completa sem uma passadinha neste antigo centro da liga hanseática. Para fugir do agito de Hamburgo, basta seguir para Lübeck e passar pelo icônico portão Holstentor para visitar igrejas medievais e o charmoso rio Trave. Sem esquecer, é claro, de uma das principais produtoras de marzipã do país, a famosa confeitaria Niederegger. Mas Lübeck não é só a cidade do doce de amêndoa. Viveram por aqui ainda dois pesos pesados da literatura alemã: Thomas Mann e Günter Grass (ambos Nobel de literatura, em 1929 e 1999, respectivamente). 
No centro histórico, a torre panorâmica da igreja Peterkirche, com suas vistas incríveis, é imperdível! Já a Marienkirche (a terceira maior da Alemanha) marca a paisagem com suas torres gêmeas e esverdeadas. Um dos principais destaques são os sinos estatelados no chão, que desabaram durante a guerra. Antes de entrar, faça uma foto com o diabão do lado de fora! Diz a lenda que o demo ajudou a construir o templo, acreditando que a construção abrigaria uma casa de vinhos! 
Na pracinha do mercado, onde está a prefeitura gótica, fica o café Niederegger. Atrás do estabelecimento, uma megaloja (que também serve quitutes e chás) vende tudo feito de marzipã. Inclusive uma miniatura do portão Holstentor. É um mundo de bonecos, bichinhos, utensílios, embalagens e fitinhas coloridas para adoçar a viagem! Uma excelente pedida para deixar carteira leve e a barriga cheia.
Pois é! Se até hoje não há consenso sobre a região mais “cool” da Alemanha, a solução é aproveitar o melhor dos dois mundos e se jogar nas badalações de Berlin e Hamburgo. Potsdam e Lübeck sempre estarão lá para você recarregar suas energias.

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